Com certeza você já se deparou com algum conteúdo nas redes sociais sobre o novo estilo de igreja que vem ganhando cada vez mais espaço: as famosas trend churches.
Essas novas instituições quebram totalmente o padrão tradicional que associamos a templos religiosos neopentecostais – ambientes práticos, com arquitetura e estética simples – e agora adotam uma roupagem moderna e chamativa. São espaços recheados de luzes, telões de LED, shows de bandas gospel e até ambientes interativos que vão muito além do culto, como cafeterias e áreas para a prática de esportes.
Mas você já parou para pensar por que esse novo modelo tem se tornado tão popular atualmente?

A sociedade atual passou por modernizações e inversões de valores, gerando, consequentemente, o declínio de fiéis nas instituições religiosas. Esse novo modelo de igreja, através da estética moderna e ‘instagramável’, busca recuperar seu público e se aproximar das camadas mais jovens – as mais impactadas por essas transformações.
Com discursos acessíveis e espaços dinâmicos, essas instituições criam uma sensação de pertencimento. O problema é que, apesar da roupagem moderna e aparentemente progressista, os discursos dessas igrejas continuam conservadores e excludentes. Pautas de sexualidade, gênero e comportamento social seguem sendo abordados sob uma ótica tradicional. A roupagem muda, mas o discurso permanece restritivo.
“Acolhemos a todos, mas não vamos celebrar um casamento homoafetivo.” Diz Maurício Soares, pastor da Brasa Church, ao jornal O Globo.
Entretanto, o sucesso das churches não está apenas na estética moderna. Por trás de todo esse visual, existe uma lógica que dialoga perfeitamente com o sistema capitalista contemporâneo. Igrejas não pagam impostos e, por isso, se tornam ótimas máscaras para empresários que querem lucrar sem “burocracias”. Como explica Ricardo Meirelles de Faria, Doutor em Economia e professor da FGV:
“A maneira sorrateira de acumular é o negócio que não paga imposto. Tanto é que os lobbys das igrejas são tão fortes, porque é uma fonte de renda monstruosa […] mas submissão a esse discurso religioso mercantilista não gera prosperidade econômica e social.”
Essa roupagem que emana prosperidade é, na verdade, uma estratégia para atrair cada vez mais fiéis e, consequentemente, ampliar o lucro dessas instituições. As igrejas constroem ambientes luxuosos, frequentados por pessoas com alto poder aquisitivo, que vibram status social, e pregam a Teologia da Prosperidade – a ideia de que a doação monetária, instigada pela fé, é o melhor caminho para alcançar sucesso.
Esse fenômeno, no entanto, não surge do nada – ele é fruto de um processo histórico que liga religião e capitalismo
A lógica capitalista não se baseia apenas na construção entre igreja e empresário, mas nas relações entre fé e fiel. Tudo se iniciou na relação estreita entre o protestantismo, especialmente em sua vertente calvinista, com a consolidação do capitalismo. A religião pregava o reinvestimento dos lucros e o trabalho árduo como comportamento virtuoso.
No entanto, nos tempos modernos e com o capitalismo já consolidado e reinterpretado por novas práticas religiosas – como nas igrejas neopentecostais -, o lucro que antes era subproduto do trabalho duro e da devoção, agora se torna o objetivo central da fé. A riqueza passou a ser vista como uma prova concreta de benção divina. Fiéis viram consumidores, pastores viram empreendedores e o progresso social e econômico é oferecido em parcelas mensais via dízimos e ofertas.
Como seres humanos, somos impulsionados pela constante tentativa de preencher o vazio existencial e nossas carências – sejam elas materiais ou emocionais. A religião nasce, justamente, dessas “faltas”, oferecendo respostas às nossas inquietações. Dentro de um sistema capitalista, que intensifica desigualdades e gera fissuras no convívio social, a igreja aparece como uma fórmula de cura. O discurso religioso se apropria das precariedades do sistema, oferecendo supostas soluções.
A desigualdade social e a busca incessante pela ascensão econômica são fatores essenciais para as churches
“Quanto mais a sociedade é desigual, mais nossas carências são maiores. Há uma precarização da vida, suas necessidades básicas não são atendidas, então surge aquele discurso: ‘Como você não tem prosperidade? Você não está sendo atendida porque você é uma má fiel, você não paga o dízimo’. Quando você olha uma pessoa bem-sucedida você sempre ‘vê’: quero ser igual, o que tenho que fazer?”. Diz Ricardo Meirelles.
Pessoas de classes mais baixas tendem a buscar referências em figuras que representam prosperidade econômica para elas – empresários, influenciadores e celebridades – e, ao vê-las frequentando determinadas igrejas, relacionam suas conquistas à fé que professam. Ludibriadas pelo discurso mercantilista das igrejas neopentecostais, investem altos valores monetários em busca desse mesmo sucesso. Afinal, a lógica é “simples”: se um empresário bem-sucedido frequenta essa instituição, seu sucesso está diretamente relacionado ao investimento espiritual”.
Assim, a religiosidade é instrumentalizada como forma de alcançar demandas íntimas por meio de contribuições monetárias.
As churches transformam suas personalidades em franquias, vendem status e oferecem “chaves” que ligam a Terra ao céu – mas, claro, apenas para assinantes. Agora, o foco deixa de ser manifestar a fé e passa a ser o quanto você está disposto a investir para pertencer a um grupo social e a um espaço divino. O culto passa a ser uma experiência social e não apenas espiritual.
